..

O tédio de consumir e ânsia por produzir

Em 2007, o ator Mateus Solano estreava na TV como garoto propaganda da empresa de telefonia Oi, mesmo ano em que a rede social YouTube, plataforma de vídeos atualmente frequentada mensalmente por 47% de todos os usuários da Internet ao redor do mundo, era lançada oficialmente no Brasil.

No comercial, Solano aparece de pé, parado com seu look Zé Bonitinho da época em meio a um espaço público movimentado, onde é apresentado pelo narrador como o personagem Recebedor. Solitário, ele segura na mão o seu celular Nokia K310i enquanto carrega uma expressão triste e ansiosa no rosto, até que em um passo de mágica após adquirir um chip Oi Cartão Total se transforma no Ligador.

Depois de ensaiar um power posing o nosso mais novo super-herói é então visto andando pelas ruas da cidade, totalmente desinibido, na mais completa antítese do estado em que começou, cumprimentando diversas pessoas desconhecidas e fazendo um gesto satisfeito que diz: “Pode deixar que eu te ligo!”.

Este comercial, como se estivesse antevendo a postura completamente passiva que eu assumiria a partir daquele ponto na história frente as redes sociais, ilustra perfeitamente toda a angústia que sinto consumindo conteúdos digitais de forma desenfreada, o meu constante desejo por inverter essa relação e a expectativa de encontrar algum contentamento ao conseguir assumir uma posição mais ativa nesta relação.

O Recebedor, sem créditos para fazer uma ligação no celular, vê-se dependente da iniciativa de terceiros para ter qualquer interação. Essas interações negadas a ele de forma absurda, certamente são parte do processo de resolução das questões que o afligem, como seriam para qualquer outro ser humano, e esse impedimento lhe provoca agonia, representada em sua figura cabisbaixa.

A minha angústia, contudo, é paradoxal e apesar do sentimento semelhante ao do personagem, tem uma origem oposta. Na Internet eu não estou isolado e nem impedido de resolver os meus problemas, muito pelo contrário, se tem algo que podemos afirmar sobre este espaço, é que ele facilitou a comunicação entre as pessoas e o acesso às respostas, muitas vezes não solicitadas, certas ou erradas, para todos os assuntos da vida, do mais mundano ao misticismo mais Rococó.

É na Internet de conexões ilimitadas, onde em uma mesma semana consigo aprender sobre a técnica de plantio em canteiros elevados autoirrigáveis, a estética segundo a Escola de Frankfurt, a vida e obra de Tokuro Fujiwara, o histórico das tensões geopolíticas entre a Rússia e o ocidente, os dilemas éticos do mercado de carbono e tantos outros temas, e ainda assim me vejo inerte, oscilando entre o tédio e a ansiedade.

Para tentar explicar como esse fenômeno ocorre, vamos imaginar a minha mente como se ela fosse um reator perfeitamente agitado, um equipamento onde reagentes entram continuamente em um tanque, misturam-se de forma homogênea e saem, geralmente, como novos produtos. É um sistema aberto, onde o fluxo constante de entrada e saída é essencial para que a reação ocorra e produtos sejam formados, operando em estado estacionário.

Nessa alegoria, o esperado é que parte desses conteúdos dos quais me alimento continuamente pudesse interagir, transformar-se e encontrar vazão para o mundo de forma concreta. O detalhe é que a válvula de saída está fechada e esses reagentes adquiridos ao custo de muitas horas parado em frente a telas de todos os tamanhos estão transbordando, escorrendo para fora sem serem absorvidos e utilizados para produzir qualquer coisa.

Na verdade, não é certo dizer que estas informações estão se perdendo, vazando para o limbo que separa minha mente e a realidade, ao invés de seguir o seu curso mais natural e encontrar materialidade através das minhas ações, o mais correto seria que elas estão se acumulando de forma insustentável, como em um reator fechado e não expansível.

Com o tempo a pressão dentro desse reator só aumenta e a quantidade de colisões entre os diferentes fragmentos de conhecimentos e experiências que poderiam se combinar dando origem a novas substâncias estão diminuindo, quase como se estivesse ocorrendo uma mudança de fase, onde os fluídos se solidificam bloqueando totalmente qualquer nova entrada. Nesse estado transiente, a ansiedade, em vez de fazer colapsar as fronteiras do sistema em uma catarse, tende a sucumbir diante da minha inércia e assumir um estado de equilíbrio para me manter vivo.

Procuro então escrever esse texto como se estivesse comprando o chip anunciado pela Oi ou abrindo a válvula de saída do reator que representa a minha mente. Não quero passar a ocupar a posição oposta à qual me encontro nessa relação com a Internet, mas sim aliviar o desconforto que sinto nessa minha breve trajetória fazendo peso sobre a Terra nos últimos 30 anos apenas consumindo sem produzir.

E quando falo em produzir em detrimento à consumir, não me refiro à necessidade que diversos profissionais tem hoje em dia de se projetar na Internet como única forma de sobreviver no mercado de trabalho que enxerga posts como currículo e likes como atestado de qualidade. Tampouco sobre tentar emular o comportamento dos influencers em seus palcos na esperança de conquistar o estilo de vida irreal e supostamente feliz que apresentam.

A minha intenção é encontrar um novo equilíbrio, diferente do qual estou continuamente me aproximando. Um em que sou capaz de dar significado a pletora de conhecimentos aleatórios aos quais estou constantemente me expondo sem qualquer tipo de pretensão. Assim quem sabe, me tornando também um Ligador, construindo os mesmos tipos de conteúdo que em demasia me causam tédio, eu fique menos ansioso.

..